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BNDES muda foco e financia mais o agro que a indústria; economistas e senadores criticam

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi criado pelo governo federal com a missão de alavancar o parque industrial brasileiro, mas hoje financia mais a agropecuária do que a indústria.


Fonte: Banco de imagens Canva

No ano passado, o banco estatal de fomento destinou 26% de seus recursos aos produtores rurais e 16% aos empresários industriais — respectivamente R$ 18 bilhões e R$ 11,2 bilhões em valores de hoje (corrigidos pela inflação).


Até algum tempo atrás, o BNDES gastava relativamente pouco com as atividades do campo. Em 2009, o agronegócio recebeu apenas 5% dos recursos enquanto a indústria ficou com 47% — R$ 14,6 bilhões e R$ 134,9 bilhões em valores atualizados.


A balança do BNDES pendeu para o lado da agropecuária pela primeira vez em 2018. Desde então, a indústria vem ficando cada vez mais para trás.


Especialistas em economia, industriais e senadores veem com preocupação a nova orientação do BNDES. Eles lembram que a indústria passa por dificuldades e o agronegócio já conta com os empréstimos do Banco do Brasil. O BNDES, por sua vez, argumenta que faz parte de sua missão atual apoiar as diversas estruturas produtivas do Brasil, inclusive a agropecuária.

O diplomata Rubens Ricupero, que foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), afirma:


— Eu não consigo compreender essa tendência. Getúlio Vargas criou o BNDES [em 1952] com o intuito de assegurar os investimentos necessários à indústria, que era e continua sendo o setor mais dinâmico, inovador e estratégico de qualquer economia. São financiamentos com juros baixos e prazos longos que os empresários [por causa dos riscos do negócio industrial] não conseguiam e ainda não conseguem obter nos bancos privados.


Os recursos do BNDES, oriundos principalmente do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), são limitados. Para que a agropecuária receba mais do banco, pelo menos um dos demais setores da economia (indústria, comércio, serviços e infraestrutura) necessariamente tem que receber menos.


— O agronegócio também precisa de financiamentos públicos, mas deveria obtê-los por mecanismos próprios e separados — continua Ricupero. — Além disso, por ser altamente rentável e gozar de preços em alta no comércio mundial, não enfrenta a mesma dificuldade da indústria e é capaz de obter empréstimos com facilidade no setor privado. O BNDES precisa retomar a vocação, da qual se desviou, de financiar o setor industrial.


Em 2017, o banco lançou o cartão BNDES Agro, exclusivo para fazendeiros. Em 2020, criou o programa BNDES Crédito Rural.


A guinada do banco em direção ao agronegócio ocorre num dos momentos mais críticos da indústria brasileira. Entre as empresas que fecharam as portas nos últimos tempos, estão multinacionais como a farmacêutica Eli Lilly, a fotográfica Nikon, as automobilísticas Ford e Mercedes-Benz e as eletrônicas Sony e Panasonic.


O cientista político José Alexandre Altahyde Hage, professor de relações internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma:


— O nosso setor elétrico acabou. As fábricas de eletrodomésticos fecharam. Nas cidades do ABC Paulista, historicamente industriais, o que antes era fábrica agora é shopping center. As dificuldades se agravaram na pandemia. Mesmo assim, continuamos formando um número elevado de engenheiros, técnicos, químicos. A nossa indústria minguante não tem lugar para todos eles. Vamos jogá-los no campo?


O professor da Unifesp lembra que um dos estudos que embasaram a criação do BNDES em 1952 foi um detalhado raio X da economia brasileira feito pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que apontou os gargalos da época e as respectivas soluções. Para ele, é necessário realizar hoje um trabalho técnico semelhante e, a partir dele, criar uma política de Estado.


— Não entendo como o governo pode negligenciar assim a indústria. No passado, tivemos líderes como João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen, ministros que entendiam o setor como estratégico para o Brasil. Não temos agora nenhum líder parecido. As próprias indústrias parecem ter aceitado a decadência e desistido de brigar.

 


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