Em outubro do ano passado, o STF retomou os julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.625/1997, de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 39/2015, de autoria da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).
A primeira postula a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Federal nº 2.100/1996, que denunciou (tornou público que deixará de vigorar) a Convenção nº 158 junto à OIT, visando com isso a aplicação da referida Convenção no Brasil desde aquela data. Já a segunda, em sentido contrário, defende que o Decreto nº 2.100/1996 é constitucional, uma vez que a denúncia de tratados, convenções e atos internacionais é prerrogativa do Chefe do Poder Executivo, em razão de representar a União na ordem internacional.
Em suma, o debate gira em torno de saber se o Presidente da República pode, isoladamente, ou seja, sem a manifestação do Congresso Nacional, denunciar tratado internacional já ratificado pelo Brasil, como é o caso da Convenção 158, da OIT.
Num rápido exercício de raciocínio, a declaração da inconstitucionalidade do Decreto nº 2.100, poderia ensejar que todas as rescisões de contrato de trabalho realizadas na vigência do referido ato normativo (Decreto 2.100/96) passariam a colidir com as regras da Convenção 158, podendo os que se sentirem prejudicados recorrer da motivação que ensejou a dispensa e, se ainda insatisfeitos, recorrer ao Tribunal que poderá revertê-los ao cargo, ou obrigar o empregador a pagar indenização. Tal situação poderá gerar uma incalculável insegurança jurídica e econômica para os empregados e empregadores. *
*Entendimento constante de Relatório da Diretoria Jurídica e Sindical da CNC.
Do que trata a Convenção 158, da OIT
A Convenção 158 da OIT, aprovada em Genebra, em 22 de junho de 1982, durante a 68ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, dispõe sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
Em observância ao disposto no art. 49, I, da Constituição Federal, seu texto foi submetido e ratificado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 68, de 17 de setembro de 1992, publicado no Diário Oficial da União, de 11 de abril de 1996, data em que a referida Convenção entrou em vigor no Brasil.
Em 20 de dezembro de 1996, o Governo brasileiro denunciou a Convenção nº 158, através do Decreto Federal nº 2.100/1996, tendo a mesma deixado de vigorar a partir de 20 de novembro de 1997.
Ainda que esta informação não seja um parecer sobre o assunto, cumpre destacar alguns aspectos essenciais da Convenção 158, para uma melhor compreensão.
Seu princípio norteador vem enunciado no art. 4º, que diz, expressamente, o seguinte:
“Art. 4º - Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. ”
Mas isso ainda não é tudo, e nem mesmo o pior.
Com efeito, o art. 7º assim dispõe:
“Art. 7º - Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade.”
Esta disposição é, por assim dizer, a “cereja no bolo”, considerando-se o grau de especificidade e subjetividade que enseja.
Em bom português, isso significa que um empregado somente poderá ser dispensado por justa causa. Nos termos da Convenção, somente três motivos são procedentes para a demissão, a saber: a) se a empresa comprovar crise financeira; b) em conjunturas de mudanças tecnológicas; ou c) se o demissionário não tiver mais condições de exercer suas funções (arts. 13 e 14 da Convenção 158).
A alínea “a”, do art. 9º da Convenção, ainda impõe ao empregador o ônus da prova quanto à existência de uma causa justificada para o término da relação de emprego, cabendo a ele demonstrar as justificativas indicadas, sob pena de reintegração do empregado.
O art. 5º da Convenção estabelece quais os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho, a saber:
a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento de empregador, durante as horas de trabalho;
b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade;
c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;
d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social;
e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.
Na mesma linha, e de forma complementar, o art. 6º estabelece que:
“A ausência temporal do trabalho por motivo de doença ou lesão não deverá constituir causa justificada de término da relação de trabalho”.
Apesar de o art. 2º estabelecer que a Convenção se aplica a todas as áreas da atividade econômica e a toda as pessoas empregadas, o mesmo dispositivo excepciona as seguintes categorias:
a) os trabalhadores de um contrato de trabalho de duração determinada ou para realizar uma determinada tarefa; (contrato por tarefa).
b) os trabalhadores que estejam num período de experiência ou que tenha o tempo de serviço exigido, sempre que, em qualquer um dos casos, a duração tenha sido fixada previamente e for razoável; (contrato de experiência).
c) os trabalhadores contratados em caráter ocasional durante um período de curta duração (contrato temporário).
Como não só de tempestades vive o homem, o art. 12 da Convenção, abaixo transcrito, trata de situações de relativa calmaria, eis que nossa legislação já prevê tais garantias em caso de dispensas consideradas imotivadas, como é o caso do aviso prévio; do FGTS e do seguro desemprego, além de um sistema regulamentado de previdência social.
“Artigo 12 - Em conformidade com a legislação e a prática nacionais, todo trabalhador cuja relação de trabalho tiver sido terminada terá direito:
a) a uma indenização por término de serviços ou a outras compensações análogas, cuja importância será fixada em função, entre diretamente pelo empregador ou por um fundo constituído através de cotizações dos empregados; ou
b) a benefícios do seguro desemprego, de um sistema de assistência aos desempregados ou de outras formas de previdência social, tais como benefícios por velhice ou por invalidez, sob as condições normais às quais esses benefícios estão sujeitos; ou
c) a uma combinação de tais indenizações ou benefícios.
Do Histórico das Ações no STF e seu desdobramento
Desde do início de sua tramitação no STF, foram computados os seguintes votos:
Votos pela procedência (total ou em parte) da inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96: Ministros Maurício Corrêa, Ayres Brito, Joaquim Barbosa e Rosa Weber.
Votos pela improcedência: Ministros Nelson Jobim e Teori Zavaski.
O Ministro Dias Tóffoli, em recente Voto-Vista, acompanhou o voto do Ministro Teori Zavascki, pela improcedência do pedido formulado na ADI 1.625/97, mantendo a validade do Decreto nº 2.100/96 e propondo a seguinte tese de julgamento:
“A denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso. ”
No entendimento do Ministro, cumpre ao Tribunal firmar a tese acerca da inconstitucionalidade da denúncia unilateral de tratados internacionais pelo Presidente da República, entendimento que deverá ser aplicado a partir da publicação da ata deste julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal, inclusive a consubstanciada no Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. *
Tanto o Ministro Tóffoli quanto o Ministro Teori Zavascki, entenderam que, para casos futuros, a saída (denúncia) de tratados e acordos internacionais deve ser aprovada pelo Congresso.
Votos faltantes: Gilmar Mendes, Marco Aurélio (sucedido por André Mendonça), Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques.
Os Ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia não irão votar, porque sucederam, respectivamente, os Ministros Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, que já votaram.
O placar, portanto, está 4X3 pela procedência da ADI. O Ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e deve ser o próximo a votar. Até lá o julgamento está novamente suspenso com possibilidade de retomada no primeiro semestre de 2023.
Posição e atuação da CNC e da Fecomercio SP
A CNC, de forma estratégica, ingressou com a ADC 39, para permitir que novos Ministros pudessem votar sobre a matéria, pois vários que votaram na ADI já se aposentaram e, por conta disso, seus substitutos não votam nela, mas poderão votar na ADC.
O risco dessa ação (ADI) é gravíssimo pois, caso seja julgado procedente, a atividade empresarial em nosso país ficará totalmente comprometida pois será ceifado do empregador o Poder Diretivo de demitir sem justo motivo. *
As entidades estão atuando em duas frentes, sendo a primeira pela improcedência da ADI e procedência da ADC; na segunda frente, na hipótese de ser considerada inconstitucional a forma da denúncia, que ocorra a modulação de efeitos de modo que só se aplique para as próximas denúncias e não essa. *
Apensa de nos autos já existirem manifestações, que foram apresentadas pelos interessados, a Fecomercio SP vem acompanhando o assunto e irá apresentar suas contribuições (na forma de memoriais) assim que o processo for pautado pela Suprema Corte. Além disso, acaso haja movimentações legislativas, também estará disposta a contribuir com os debates, seja na Câmara ou no Senado Federal diante dos nefastos efeitos que a inconstitucionalidade do Decreto pode causar às relações de trabalho.
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