Especialistas ouvidos pelo g1 dizem que preços das commodities podem carregar o patamar de juros altos por mais tempo, freando ainda mais o crescimento econômico.
Os juros altos, a inflação em dois dígitos e o fraco crescimento econômico já vinham bastante desafiadores para a economia brasileira este ano. Agora, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, pode piorar ainda mais o cenário (veja mais abaixo como fechou o dólar ).
Sempre que há um conflito entre nações poderosas, há risco de aumento da inflação, com pressão nos preços e redução da oferta de produtos. Pode ocorrer também um baque no crescimento por conta do aumento dos riscos, que tende a diminuir os investimentos, derrubar os ganhos das empresas e impactar as ações.
A invasão da Rússia á Ucrânia fez o preço do petróleo passar de US$ 100 pela primeira vez desde 2014 nesta quinta-feira (24).
Como se não bastasse, o conflito entre Rússia e Ucrânia acontece quando a economia global ainda se recupera dos efeitos da pandemia do coronavírus, que sobrecarregou as contas e impactou os preços de energia, combustíveis e alimentação.
Quais os possíveis efeitos para o Brasil?
Para o Brasil, a situação se traduz em mais pressão sobre a inflação em momento de índices já nas alturas. Especialistas ouvidos pelo g1 lembram que a barreira de proteção do país, no momento, é a queda do dólar.
Com a valorização recente do real, itens importantes como alimentos e combustíveis estão relativamente controlados enquanto a tensão se desenrola na fronteira ucraniana.
Mas há dois problemas: a alta dos juros freia ainda mais a perspectiva de crescimento econômico e uma aversão a risco mais intensa tende a trazer impacto mais sério a economias emergentes.
“O Brasil tem uma taxa de investimento historicamente muito baixa e deve piorar com esse cenário global. Evidentemente, impacta o crescimento econômico, a geração de emprego e renda”, afirma Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados.
Combustíveis e inflação
A tensão na fronteira ucraniana renova preocupações com os preços das commodities, em especial o petróleo. Para o Brasil, a valorização do barril do tipo Brent desde o início da pandemia foi um responsáveis pela inflação pelo efeito nos preços da gasolina e do diesel.
Para o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, o principal impacto para o Brasil é justamente via petróleo e preço dos combustíveis e isso, por si só, não afeta tanto a recuperação brasileira.
"É um quadro que pode piorar a questão inflacionária, mas não deveria ter uma resposta do Banco Central. O BC está prevendo a redução do ritmo de alta para a próxima reunião, e, a princípio, não mudará porque o petróleo e os combustíveis não são preços afetados pela política monetária. A economia está fraca por outras razões e vai continuar", diz.
Como o g1 mostrou ao longo do ano passado, os combustíveis sofreram seguidos choques com o aumento dos preços do petróleo no mercado internacional e também com o real desvalorizado frente ao dólar.
O preço do barril de petróleo teve média de US$ 44 em 2020 e chegou a US$ 70 no ano seguinte. O agravamento do conflito na Rússia deu novo impulso aos preços do insumo, que voltaram a ultrapassar a barreira de US$ 100.
A disparada do petróleo coloca mais pressão sobre os preços dos combustíveis no Brasil. Desde 2016, a Petrobras passou a adotar para suas refinarias uma política de preços que se orienta pelas flutuações do preço do barril de petróleo no mercado internacional e pelo câmbio.
Diferente dos anos anteriores, contudo, 2022 vem sendo marcado pela entrada de dólares no país, fortalecendo o câmbio aos poucos. Até o fechamento do mercado nesta quarta-feira, a moeda americana registra queda de 10,24% no ano.
Com o petróleo subindo de um lado, mas o dólar caindo do outro, forma-se uma gangorra que mantém os preços com certa estabilidade.
Por isso, para Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos, a "defesa" do Brasil contra um impacto nos combustíveis foi a elevação agressiva da taxa Selic, que cria um diferencial de juros que volta a ser atrativo para o investidor estrangeiro.
"O conflito tem impacto inflacionário? Sim, mas não deve mudar o 'plano de voo' do Banco Central, que é atrair dólar ao elevar — e manter no alto — a taxa de juros em patamar muito restritivo", diz o analista.
A meta central de inflação para 2022 é de 3,50% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar entre 2% e 5%. Mas o boletim Focus, sondagem semanal do BC com economistas do mercado financeiro, a projeção é de 5,56%, um novo rompimento do teto e que explica o "pé no acelerador" da subida de juros.
Também de acordo com o Focus, a projeção da Selic está em 12,25% ao ano para o fim de 2022, contra os atuais 10,75%. O aperto dos juros é a forma de compensar uma política fiscal de gasto mais intensa em ano eleitoral.
"Esticar o tempo de juros elevados pode gerar recessão em 2022, mas o BC deixou claro que sua agenda é ancorar a inflação. Assim, o real continua blindado por termos o maior juro real do mundo", diz Motta.
Bolsa e dólar
Em geral, conflitos geopolíticos provocam reação imediata dos mercados internacionais. A particularidade da tensão entre Rússia e Ucrânia é que as atividades têm sido anunciadas passo a passo desde o fim de 2021, espalhando o impacto nas bolsas.
Outra contribuição relevante é o aumento de juros dos Estados Unidos, que tem agora mais um evento inflacionário para influenciar a análise do Federal Reserve.
Mas, surpreendentemente, a bolsa brasileira reage positivamente e bolsas estrangeiras têm quedas comedidas. Em suma, a reação é que o mercado já vinha se preparando para um evento mais determinante, como o reconhecimento das províncias separatistas na Rússia.
Além disso, a bolsa brasileira tem uma participação enorme de empresas exportadoras de commodities, como Vale, Petrobras, Suzano e tantas outras. Um aumento da demanda traria bons resultados e valorizaria os preços dos papéis. Resultado foi a entrada de mais de US$ 50 bilhões na bolsa neste ano.
A discussão, então, volta a se fixar nos próximos passos. Roberto Motta, da Genial, diz que o conflito chegou a um ponto de não retorno, em que o presidente russo Vladimir Putin não poderia retroceder sem alguma conquista. Para ele, a independência das repúblicas separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk, pode ser esse "troféu".
"É um evento que, se for bem contornado pela diplomacia, com nível razoável de sanções, pode esvaziar as tensões e pode ser até bom para ativos de risco. O problema é se Putin for tomado pela euforia e avançar", diz o analista.
"Os pêndulos serão Alemanha e França. A Alemanha é mais industrializada e consome energia, vai ser dependente desses preços e vai ter que instaurar sanções que sejam razoavelmente bem aceitas para não ver novas escaladas no conflito", prossegue.
Não parece ser esse o curso das atitudes, por ora. O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou nesta terça-feira a suspensão da autorização para o gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia à Alemanha. O gasoduto aumentaria o abastecimento de gás russo à Europa, no momento em que a produção própria registra queda.
Apesar de tirar proveito das commodities, uma intensificação do conflito pode ser negativa para o Brasil.
“Quando se tem risco global maior, os países emergentes sofrem mais porque o investidor pode buscar uma situação mais confortável em juros dos EUA e União Europeia. Podemos ter uma nova saída de investidores do Brasil", lembra Wagner Parente, da BMJ.
Exportações
A Rússia não é um dos grandes parceiros comerciais do Brasil. Não há, portanto, um impacto direto nas exportações brasileiras. É fundamental, contudo, estar atento às reações da China em meio ao aumento das tensões geopolíticas na região.
A China, sim, é o maior parceiro comercial do Brasil e tradicionalmente tem um alinhamento com o governo russo.
"Até o momento, os chineses se mantiveram alheios à situação. Mas, se formarem uma oposição com Estados Unidos e Europa, tem-se um cenário de polarização que pode impactar fortemente o Brasil”, analisa Parente, da BMJ.
Na relação direta com a Rússia, o Brasil depende principalmente da produção de fertilizantes (60%) e outros itens ligados à agricultura.
No ano passado, quatro dos cinco produtos que o Brasil mais comprou dos russos serviam para preparação do solo. Um desabastecimento desses adubos e fertilizantes poderia aumentar os custos dos alimentos no país.
“A Rússia é o maior exportador mundial de fertilizantes, o que pode afetar o preço de commodities como a soja, e levar a impacto na produção de proteína animal”, explica Parente.
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